A conferência de Bruxelas, portanto, não é apenas um palco para angariar fundos
Em 17 de março de 2025, o ministro das Relações Exteriores da Síria, Asaad al-Shibani, marcará um momento histórico ao participar da conferência anual de doadores em Bruxelas.
Pela primeira vez, um representante oficial do governo sírio estará presente neste evento, organizado pela União Europeia, que tradicionalmente reúne apoio internacional para iniciativas humanitárias e de transição no país. Essa participação sinaliza uma mudança significativa na relação entre a Síria e a comunidade global, especialmente após a queda do regime de Bashar al-Assad em dezembro de 2024.
A presença de al-Shibani reflete os esforços do governo de transição sírio, liderado por Ahmed al-Sharaa, para se reintegrar ao cenário internacional após anos de isolamento diplomático. Diferentemente das edições anteriores, quando apenas membros da sociedade civil síria tinham voz no evento, a inclusão de uma autoridade estatal sugere uma abertura para diálogo direto com doadores e parceiros globais.
O objetivo da conferência, que neste ano busca “mobilizar apoio internacional para uma transição pacífica e inclusiva”, ganha um novo peso com a participação síria, destacando a urgência de reconstrução e estabilização após mais de uma década de guerra civil.
Esse marco não ocorre sem contexto, desde que assumiu o cargo em 21 de dezembro de 2024, al-Shibani tem trabalhado para reposicionar a Síria no tabuleiro geopolítico, com visitas a países como Arábia Saudita, Qatar e Turquia, esta última um feito notável, dado o rompimento de relações por quase 14 anos.
Sua ida a Bruxelas, conforme confirmado por um oficial europeu à Reuters em 12 de março de 2025, é mais um passo nessa direção, carregando a expectativa de que o governo sírio apresente um plano claro para usar os recursos internacionais de forma eficaz. A ausência do presidente interino Ahmed al-Sharaa, inicialmente cogitado para o evento, reforça o papel de al-Shibani como a face diplomática dessa nova fase.
Para a Síria, a cúpula representa uma oportunidade de pleitear o alívio de sanções econômicas, que há anos sufocam o país, cerca de 90% da população vive na pobreza, segundo estimativas da ONU.
Al-Shibani já expressou, em fóruns como o de Davos em janeiro de 2025, a ambição de transformar a Síria em um modelo de recuperação inspirado em nações como Singapura, mas isso depende de parcerias e investimentos que só serão viáveis com apoio externo.
A conferência de Bruxelas, portanto, não é apenas um palco para angariar fundos, mas também um teste para a capacidade do governo de transição de conquistar a confiança de uma comunidade internacional ainda cautelosa.
Do lado europeu, a decisão de incluir a Síria oficialmente reflete um pragmatismo diante da nova realidade política em Damasco. Após o fim do regime Assad, a UE sinalizou, em fevereiro de 2025, uma disposição inicial para suspender sanções, embora entraves como disputas marítimas entre Síria, Turquia, Grécia e Chipre tenham atrasado o processo.
A participação de al-Shibani pode ser um catalisador para acelerar essas negociações, mas também coloca sobre ele a pressão de demonstrar que o governo sírio está comprometido com uma transição inclusiva e transparente, algo que minorias como os curdos e os druzes, ainda distantes do diálogo nacional, observam com ceticismo.
Em síntese, a estreia de Asaad al-Shibani na cúpula de doadores em 17 de março não é apenas um evento protocolar; é um divisor de águas que pode redefinir o futuro da Síria no contexto global. Entre a busca por legitimidade internacional e a necessidade de reconstrução interna, sua presença em Bruxelas carrega o peso de um país que, após anos de conflito, tenta encontrar um novo caminho, e provar que merece uma chance de trilhá-lo.
