O recente apelo do presidente polonês Andrzej Duda para que os Estados Unidos posicionem ogivas nucleares em solo polonês reflete uma mistura de pragmatismo geopolítico e uma resposta direta às tensões crescentes no Leste Europeu.
Em vez de apenas ecoar pedidos anteriores por uma presença militar mais robusta da OTAN, Duda parece estar mirando em um salto estratégico: transformar a Polônia em um ponto de ancoragem nuclear no flanco oriental da aliança.
A ideia não é nova, a Polônia já sinalizou interesse em participar de programas de compartilhamento nuclear da OTAN em anos anteriores, mas o tom e o timing desse pedido carregam um peso renovado, especialmente diante da guerra na Ucrânia e das ações provocativas da Rússia, como o posicionamento de armas nucleares na Bielorrússia em 2023.
Esse movimento pode ser interpretado como uma tentativa de reequilibrar a dissuasão na região, a Polônia, que compartilha uma fronteira de mais de 400 quilômetros com a Bielorrússia, um aliado próximo de Moscou, vê-se como uma linha de frente vulnerável.
Duda argumentou que deslocar a infraestrutura da OTAN para o leste, incluindo armamentos nucleares, seria uma evolução lógica, considerando que as fronteiras da aliança se expandiram na mesma direção há mais de duas décadas, em 1999.
Ele enxerga nisso não apenas uma questão de timing, mas uma medida de segurança preventiva, um escudo que poderia desencorajar qualquer pensamento expansionista russo antes mesmo de ele se materializar.
Por trás dessa solicitação, há um cálculo estratégico que vai além da retórica belicosa, a Polônia já é um dos membros mais militarmente engajados da OTAN, destinando cerca de 4,7% de seu PIB a gastos com defesa em 2025, uma proporção que supera até mesmo a dos Estados Unidos, segundo estimativas da aliança.
Hospedar ogivas nucleares americanas poderia solidificar ainda mais seu papel como um pilar indispensável no bloco ocidental, ao mesmo tempo em que enviaria uma mensagem inequívoca a Moscou: qualquer escalada teria custos proibitivos.
No entanto, essa ambição não vem sem riscos, a Rússia, que já considera a expansão da OTAN uma ameaça existencial, poderia interpretar a presença de armas nucleares tão próximas de suas fronteiras como um desafio direto, possivelmente intensificando a militarização da região ou até retaliando de formas imprevisíveis.

Pôloniia Andrzej Duda / Imagem / Screenshot / YouTube
Vale notar que Duda não está propondo que a Polônia desenvolva seu próprio arsenal nuclear, é uma ideia que ele descartou como impraticável, dado o tempo e os recursos necessários. Em vez disso, ele busca integrar-se ao modelo de compartilhamento nuclear da OTAN, no qual países como Alemanha, Bélgica e Itália já abrigam armas americanas sob controle estrito dos EUA.
Essa abordagem, embora menos autônoma, alinha-se com a postura da Polônia como um aliado leal, mas dependente, dentro da aliança. Curiosamente, o pedido também coincide com conversas que Duda diz ter tido com Keith Kellogg, enviado especial de Donald Trump para assuntos relacionados à Ucrânia e à Rússia, sugerindo que Varsóvia está tentando capitalizar sobre a nova administração americana, conhecida por sua linha dura contra adversários geopolíticos.
Do ponto de vista polonês, há uma lógica quase histórica nisso, durante a Guerra Fria, o país abrigou ogivas soviéticas sob o regime comunista, uma ironia que Duda parece querer inverter ao trazer armas ocidentais para o mesmo solo.
Mas o que diferencia essa proposta de meras reminiscências da Cortina de Ferro é o contexto atual: uma Europa cada vez mais alarmada com a agressividade russa e uma OTAN que enfrenta dilemas sobre como manter sua credibilidade sem provocar uma escalada descontrolada.
Se concretizado, o plano poderia redesenhar o mapa da dissuasão nuclear na Europa, mas também reacender debates sobre o equilíbrio entre segurança e provocação, uma linha tênue que a Polônia parece disposta a testar.