Sob o Prisma de Experiências Globais, isso funcionaria mais como um incentivo ao uso do que como uma medida para reduzir danos.
O deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP) reacendeu um debate incendiário ao propor, em março de 2025, a criação de espaços públicos destinados ao consumo supervisionado de crack e outras substâncias psicoativas em São Paulo.
A iniciativa, apresentada como um projeto de lei na Assembleia Legislativa, visa oferecer um ambiente controlado para usuários, com o objetivo declarado de reduzir os danos associados ao uso de drogas e desmantelar o domínio do crime organizado em áreas como a Cracolândia.
No entanto, a ideia tem sido recebida com ceticismo, especialmente à luz de experimentos semelhantes em países como Canadá, Estados Unidos e Portugal, onde resultados mistos e fracassos parciais lançam sombras sobre sua viabilidade.
A proposta de Suplicy não surge em um vácuo, ela ecoa estratégias de redução de danos, uma abordagem que prioriza minimizar os impactos negativos do uso de drogas em vez de buscar a abstinência total como meta imediata.
O parlamentar argumenta que esses espaços poderiam oferecer suporte médico e social, afastando os usuários de contextos violentos e insalubres. Na justificativa do projeto, ele sugere que a Cracolândia, um símbolo persistente do caos urbano em São Paulo, poderia perder sua razão de existir se os usuários tivessem uma alternativa segura e estruturada.
O custo estimado para implementar essa visão é de R$ 1,2 milhão anuais, um investimento que Suplicy defende como necessário para enfrentar uma crise humanitária.
Por outro lado, críticos apontam para um histórico internacional que levanta dúvidas sobre o sucesso dessa abordagem. No Canadá, a cidade de Vancouver implementou locais de uso supervisionado, como o Insite, desde 2003.
Embora estudos mostrem uma redução nas overdoses fatais na área próxima ao centro, com uma queda de 35% nas mortes por overdose nos arredores do Insite, segundo pesquisa publicada no The Lancet em 2011, o impacto mais amplo na criminalidade e no consumo de drogas permaneceu limitado.
A região do Downtown Eastside, onde o Insite opera, continua marcada por tráfico e desordem, sugerindo que tais espaços não eliminam os problemas estruturais do vício.

Nos Estados Unidos, a experiência de São Francisco com políticas semelhantes expõe outro lado da questão. Em 2022, a cidade abriu um “centro de vínculo” que incluía áreas de consumo supervisionado, mas o projeto foi encerrado em menos de um ano devido a reclamações de moradores sobre o aumento de atividades ilegais nas proximidades.
Relatos locais indicaram que, longe de resolver o problema, o espaço atraiu mais usuários para a região, intensificando o comércio de drogas ao invés de contê-lo. Esse desfecho reforça a percepção de que, sem uma estratégia abrangente que inclua repressão ao tráfico e reabilitação, tais iniciativas podem agravar o cenário que pretendem mitigar.
Portugal, frequentemente citado como modelo por sua descriminalização das drogas em 2001, oferece um contraponto mais nuançado. Lá, o consumo de drogas em locais públicos não é incentivado; em vez disso, o foco está em encaminhar usuários para tratamento e apoio social.
A política reduziu significativamente as mortes por overdose, de 80 em 2001 para 30 em 2019, conforme dados do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), mas depende de um sistema robusto de saúde pública e fiscalização, algo que o Brasil, com suas desigualdades e recursos limitados, pode ter dificuldade em replicar ou praticamente impossível na atual realidade.
A proposta de Suplicy, ao sugerir espaços públicos específicos para o uso, diverge desse modelo português, o que alimenta críticas de que ela poderia normalizar o consumo em vez de combatê-lo.
No Brasil, a reação à ideia de Suplicy tem sido polarizada, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, respondeu com sarcasmo, questionando a sanidade de quem defende “espaços para as pessoas ficarem usando drogas” e prometendo barrar a medida.
Para muitos, a proposta soa como uma capitulação diante do problema, uma tentativa de organizar o caos sem atacar suas raízes, o tráfico, a pobreza e a falta de oportunidades. Outros, porém, veem nela uma ousadia humanitária, um reconhecimento de que a guerra às drogas, tal como foi travada, não trouxe soluções duradouras.
A discussão em torno do projeto de Suplicy expõe um dilema mais profundo: como equilibrar compaixão e pragmatismo em uma crise que desafia soluções simples? As experiências internacionais sugerem que espaços de uso supervisionado podem salvar vidas no curto prazo, mas raramente transformam o panorama mais amplo sem políticas complementares robustas.
Em um contexto como o de São Paulo, onde a Cracolândia persiste como um desafio social e político há décadas, a proposta do deputado pode ser tanto um experimento visionário quanto um risco de repetir erros já vistos além das fronteiras, e a chance de acontecer é gritante.
O futuro desse debate dependerá menos das intenções de Suplicy e mais da capacidade do poder público de aprender com o passado, aqui e no mundo.