O regime teocrático do Irã, liderado pelo aiatolá Ali Khamenei, parece oscilar entre a resiliência histórica e um colapso potencial. Após mais de quatro décadas desde a Revolução Islâmica de 1979, a República Islâmica enfrenta uma tempestade perfeita de desafios internos e externos que levantam a questão: estaria o governo iraniano à beira do precipício?
Embora sinais de fragilidade sejam evidentes, a resposta não é simples, pois o regime já demonstrou uma capacidade notável de se adaptar às crises. Esta análise explora as forças que ameaçam desestabilizar Teerã e os fatores que ainda sustentam seu poder, oferecendo uma visão que vai além das narrativas habituais.
Internamente, o Irã vive um momento de tensão palpável, a economia, sufocada por sanções lideradas pelos Estados Unidos há décadas, atingiu um ponto crítico
A inflação galopante e o desemprego corroem o poder de compra, enquanto o rial iraniano, a moeda local, perdeu valor dramaticamente em 2024, estimativas indicaram que o dólar valia mais de 700 mil rials no mercado negro, um salto em relação aos 420 mil de 2022.
Esse colapso econômico alimenta a insatisfação popular, que explodiu em protestos massivos, como os de 2022 após a morte de Mahsa Amini, brutalmente reprimidos com centenas de mortes e milhares de prisões.
A repressão, longe de silenciar o descontentamento, parece apenas adiar um confronto maior entre o povo e o regime
A crise não se limita às ruas, a sucessão do líder supremo Ali Khamenei, agora com 85 anos e rumores de saúde debilitada, paira como uma sombra sobre o futuro do país. O vácuo de poder potencial é agravado pela morte do presidente Ebrahim Raisi em maio de 2024, em um acidente de helicóptero, que eliminou um possível sucessor alinhado ao regime.
O vice-presidente interino, Mohammad Mokhber, não possui o carisma ou o respaldo político para unificar as facções internas, enquanto o Conselho dos Guardiões e a Guarda Revolucionária, pilares do regime, mostram sinais de fissuras em suas lealdades. A ausência de um líder claro poderia transformar a transição em um campo de batalha entre reformistas silenciados, clérigos radicais e militares influentes.
Externamente, o cenário é igualmente sombrio, o chamado “Eixo da Resistência”, ou rede de aliados regionais como o Hezbollah no Líbano, o Hamas em Gaza e o regime de Bashar al-Assad na Síria, sofreu golpes devastadores.

A queda de Assad em dezembro de 2024, após anos de apoio iraniano, cortou uma artéria vital de influência de Teerã no Levante, dificultando o envio de armas e recursos ao Hezbollah, que também foi enfraquecido por ataques israelenses em 2024.
A ascensão de Donald Trump à presidência dos EUA em janeiro de 2025 trouxe de volta uma postura agressiva contra o Irã, com promessas de sanções ainda mais duras e pressão militar, enquanto Israel, sob Benjamin Netanyahu, intensifica sua retórica de confronto direto.
No entanto, declarar o fim iminente do regime seria precipitado, a Guarda Revolucionária, com cerca de 150 mil membros e controle sobre setores estratégicos da economia, como petróleo e telecomunicações, funciona como um Estado dentro do Estado, garantindo a sobrevivência do sistema mesmo em tempos de crise.
O programa nuclear iraniano, que avançou para níveis de enriquecimento de urânio próximos dos 90% necessários para uma bomba (segundo estimativas da Agência Internacional de Energia Atômica em 2024), serve como carta de barganha e dissuasão contra ameaças externas.
Além disso, a parceria com a China e a Rússia, intensificada por acordos econômicos e militares, oferece um lifeline que mitiga o isolamento ocidental em 2023, as exportações de petróleo à China atingiram cerca de 1,5 milhão de barris por dia, segundo a empresa de análise Vortexa.
A resiliência do regime também se apoia em sua habilidade de manipular narrativas internas, a propaganda estatal retrata as dificuldades como resultado de uma guerra econômica imposta pelo “Grande Satã” (os EUA), unindo parte da população em torno de um nacionalismo defensivo.
Embora milhões de iranianos rejeitem o governo, especialmente a juventude urbana e mulheres que desafiam o uso obrigatório do hijab, outros milhões, particularmente em áreas rurais e entre os mais religiosos, ainda o veem como um bastião contra a influência ocidental.
O regime do Irã está, sim, em uma corda bamba, pressionado por uma economia em frangalhos, uma população inquieta e um tabuleiro geopolítico hostil. Mas sua queda não é inevitável. A história mostra que Teerã já superou crises que pareciam terminais, como a guerra com o Iraque nos anos 1980 e os protestos de 2009.
O verdadeiro precipício pode não ser um colapso súbito, mas uma erosão lenta, à medida que a repressão aliena mais cidadãos e os aliados externos se tornam menos confiáveis.
Por ora, o Irã permanece em um limbo perigoso: nem à beira do abismo, nem seguro em terreno firme, mas navegando um caminho estreito onde cada passo pode ser decisivo.