O presidente Donald Trump anunciou uma medida audaciosa ao invocar a Lei dos Inimigos Estrangeiros de 1798, uma legislação raramente utilizada, para direcionar esforços contra membros da gangue venezuelana Tren de Aragua.
A Lei dos Inimigos Estrangeiros, criada no final do século XVIII, foi originalmente concebida para proteger os Estados Unidos de ameaças externas durante períodos de guerra declarada ou invasões iminentes. Historicamente, ela foi aplicada em contextos como a Guerra de 1812 e a Segunda Guerra Mundial, quando o governo deteve e deportou cidadãos de nações inimigas, incluindo os controversos campos de internamento de japoneses-americanos.
Desta vez, Trump a utiliza para classificar o Tren de Aragua, uma organização criminosa transnacional com raízes em prisões venezuelanas, como uma força hostil que justifica medidas emergenciais.
Em seu pronunciamento, ele alegou que o grupo representa uma “incursão predatória” contra o território americano, uma interpretação que expande significativamente o escopo tradicional da lei
O alvo imediato dessa iniciativa é claro, são os membros do Tren de Aragua, que o governo Trump designou recentemente como uma organização terrorista estrangeira. Autoridades afirmam que a gangue, conhecida por atividades como tráfico de drogas e extorsão na América Latina, estaria se infiltrando nos EUA e contribuindo para a criminalidade em cidades como Chicago e Nova York.
Embora dados concretos sobre a extensão dessa presença sejam escassos, o Departamento de Segurança Interna estima que o grupo tenha centenas de membros em solo americano, uma fração mínima dos quase 800 mil venezuelanos que vivem no país, segundo estimativas federais recentes.
A retórica de Trump, no entanto, amplifica a ameaça, prometendo “eliminar todas as redes criminosas estrangeiras” que afetam a segurança pública.
Essa decisão não veio sem controvérsia, horas antes do anúncio oficial, um juiz federal em Washington emitiu uma ordem de restrição temporária, bloqueando a deportação de cinco venezuelanos sob a alegação de que a aplicação da lei viola garantias de devido processo legal.

Organizações como a ACLU e a Democracy Forward argumentam que o uso da legislação em tempos de paz, e contra um grupo não estatal, carece de base jurídica sólida. “A atividade criminosa não equivale a uma invasão no sentido histórico ou legal”, afirmou um comunicado da ACLU, destacando que a medida pode abrir precedentes perigosos para deportações em massa sem julgamento.
Por outro lado, defensores da política de Trump veem a invocação da lei como um passo necessário para cumprir promessas de campanha. Durante seu discurso de posse em janeiro de 2025, o presidente já havia sinalizado a intenção de usar “todo o poder federal e estadual” contra gangues estrangeiras, uma prioridade que agora ganha forma concreta.
A escolha do Tren de Aragua como foco inicial parece estratégica, o grupo tornou-se um símbolo recorrente na narrativa de Trump sobre a imigração como ameaça à ordem interna, especialmente após incidentes amplamente divulgados.
O impacto dessa medida vai além da questão imediata das deportações, ela desafia as convenções de política migratória ao contornar os procedimentos padrão de imigração, que normalmente garantem audiências e revisões judiciais.
Sob a Lei dos Inimigos Estrangeiros, os afetados podem ser detidos e removidos com base em suspeitas, sem acesso aos direitos típicos do sistema legal. Isso levanta questões éticas e práticas.
Olhando para o futuro, o sucesso ou fracasso dessa abordagem dependerá de batalhas judiciais iminentes e da resposta pública. A administração Trump já apelou da decisão judicial inicial, enquanto especialistas preveem que o caso pode chegar à Suprema Corte, testando os limites do poder presidencial em um contexto moderno.
Para os venezuelanos nos EUA, muitos dos quais fugiram da crise humanitária em seu país natal, a medida adiciona uma camada de incerteza, reforçando a percepção de que sua presença é cada vez mais politizada.
Em última análise, a invocação da Lei dos Inimigos Estrangeiros por Trump não é apenas uma tática de enforcement; é uma declaração de visão. Ela reflete uma crença de que ameaças transnacionais, mesmo quando difusas, justificam respostas extraordinárias.
Seja vista como uma defesa legítima da soberania ou como um abuso de autoridade, essa decisão marca um capítulo ousado, e potencialmente divisor na história americana recente.