O futuro da segurança europeia não é mais uma questão de escolha, mas de sobrevivência.
Os líderes de França, Alemanha e Reino Unido ergueram a voz em uníssono para anunciar um projeto ousado: fortalecer militarmente o continente europeu, algo que estava esquecido no continente e vinha sendo mantido pelos americanos.
A iniciativa, que ecoa como um grito de independência, surge em resposta a dois ventos cruzados que sacodem a estabilidade do Ocidente. De um lado, a Rússia de Vladimir Putin, cuja postura agressiva na Ucrânia reacendeu temores de um expansionismo que não respeita fronteiras. De outro, a guinada estratégica da Casa Branca sob Donald Trump, que abalou os alicerces da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), forçando a Europa a repensar sua dependência histórica dos Estados Unidos.
Por décadas, a segurança europeia repousou confortavelmente sob o guarda-chuva americano, após a Segunda Guerra Mundial, enquanto os EUA investiam pesadamente em seu arsenal e presença militar, os países europeus optaram por orçamentos de defesa mais modestos, confiando no aliado transatlântico como fiador da paz.
Hoje, porém, esse equilíbrio mostra sinais de erosão, Trump, com sua visão pragmática de “América Primeiro”, questiona abertamente por que os EUA deveriam arcar com a maior parte da conta, cerca de dois terços dos gastos da Otan enquanto a Europa, geograficamente mais próxima da Rússia, hesita em assumir o protagonismo. Suas falas, combinadas com a ameaça de cortar o suporte à aliança, fizeram soar um alarme estridente em Paris, Berlim e Londres. Chegou a hora de abandonar a comodidade e agir!

Diante disso, Emmanuel Macron, o futuro chanceler alemão Friedrich Merz e o premiê britânico Keir Starmer traçam um plano que vai além de simples ajustes. A proposta envolve um aumento substancial nos gastos com defesa, com metas que podem ultrapassar os 3% do PIB em alguns países, um salto significativo em relação aos atuais 2% recomendados pela Otan.
Na França, Macron já fala em reavaliar o orçamento militar, mesmo com uma dívida pública que consome recursos consideráveis. O Reino Unido, por sua vez, anunciou planos para elevar seus investimentos até 2027, enquanto a Alemanha busca flexibilizar regras fiscais da União Europeia para financiar o rearmamento. Esse esforço conjunto reflete uma percepção clara: a Europa precisa de músculos próprios para enfrentar um vizinho russo que não hesita em flexionar os seus.
A ameaça de Putin não é mera especulação, desde a anexação da Crimeia em 2014 e a invasão em larga escala da Ucrânia em 2022, Moscou demonstrou que está disposta a usar a força para redefinir o mapa do Leste Europeu.
Líderes europeus temem que, sem uma dissuasão robusta, a próxima mira possa recair sobre nações vulneráveis, como os países bálticos, que vivem à sombra do Kremlin.
Paralelamente, a reaproximação entre Trump e Putin, evidenciada por negociações bilaterais que excluem a Europa e a Ucrânia, levanta o espectro de um acordo imposto que deixe o continente exposto. Para os europeus, essa possibilidade é um chamado à ação: depender menos de Washington e mais de si mesmos.
O que diferencia essa movimentação é sua ambição coletiva, não se trata apenas de comprar mais tanques ou drones, embora isso esteja na mesa, mas de construir uma arquitetura de segurança que permita à Europa agir como um bloco coeso, mesmo fora da Otan.
Macron, há anos defensor da “autonomia estratégica”, vê nisso uma chance de concretizar sua visão. Starmer, liderando um Reino Unido pós-Brexit, busca reafirmar a relevância britânica no continente. Merz, por sua vez, quer tirar a Alemanha de sua postura hesitante e colocá-la como pilar de uma defesa europeia renovada. Juntos, eles sinalizam que o tempo de esperar por garantias americanas acabou.
Ainda assim, o caminho é tortuoso, financiar esse rearmamento exige sacrifícios econômicos em um momento de crescimento lento, especialmente na Alemanha, que enfrenta trimestres de estagnação desde 2023. Além disso, a unidade europeia é testada por vozes dissonantes, como a do húngaro Viktor Orbán, aliado de Putin, que resiste a medidas anti-Rússia.
Mesmo entre os três líderes, há nuances: a França, com seu arsenal nuclear, pode oferecer dissuasão, mas a Alemanha, sem armas atômicas, teme ficar vulnerável. O Reino Unido, por sua vez, equilibra-se entre sua histórica parceria com os EUA e a necessidade de se alinhar mais à Europa.
O rearmamento europeu, portanto, é mais do que uma resposta militar, é uma redefinição de identidade geopolítica, forjada na tensão entre a ameaça russa e a incerteza americana. Se bem-sucedido, pode marcar o início de uma Europa mais assertiva, capaz de enfrentar Putin sem piscar.
Caso falhe, o continente corre o risco de se tornar um peão em um tabuleiro dominado por potências que jogam suas próprias regras. Para França, Alemanha e Reino Unido, o futuro da segurança europeia não é mais uma questão de escolha, mas de sobrevivência.